
Quando li este texto que se segue, pensei como poderia ter sido redigido por mim, pelo menos, relativamente ao sentimento que nele está estampado! Tinha eu seis anos, aquando deste Adeus, mas lembro-me como se tivesse sido há uns dias. Há coisas, pessoas, momentos, que nos ficam retidos na memória como pouco na vida. A Partida de José Afonso....
"Dezassete anos de um adeus precoce. Do Homem - cantor e poeta - que mandou vir mais cinco; que mandou trazer outro amigo; que tinha um menino de oiro, de oiro fino; que para além de sonhar com a liberdade gritou ao povo a vontade. Dezassete anos de partida.
Do Homem que cantava baladas; que pegava na guitarra e entoava as palavras que encantaram gerações e fizeram tremer os mentores de um regime apodrecido de indecência e de injustiça e de dignidade subtraída. Um “Rouxinol do Choupal”, que deixou semeadas, sementes de sempre eterno.. Dezassete anos de olhar ao longe.
Avistando no horizonte do céu cinzento sob o astro mudo, os acordes repetidos em memórias plenas de história e em história repleta de memória. Franjas rendadas de inquieta perseverança que agitou em sorriso aberto.
Dezassete anos de verdade inquieta. Percorrida no país que ajudou a renascer; passeando a esperança acontecida daqueles que, desesperançados, morreram de desalento perdido numa terra só de fé. Numa terra de silêncio, lavrada e cultivada do medo que ajudou a vencer.
Dezassete anos de saudade. Por Aquele que se escondeu na simplicidade de ser gente; na hombridade dos que não se deixaram tombar vencidos nem jazer em fossos de noite abafada. Mesmo apesar de eles terem comido tudo e não terem deixado nada. Mesmo tendo vivido tão só, treze anos rodeado de cravos vermelhos.
Dezassete anos de febre a arder. No confronto de ideias não cimentadas e cremadas em branqueamentos de inverdades que os movimentos cíclicos da história nos querem impor. Em que os homens que não são de boa vontade nos querem fazer crer. Mas haverá sempre a memória dos que trinaram nas guitarras, os sons que nunca morrerão eternamente.
Dezassete anos de voz tremida. Na emoção e na saudade dos que subindo pelas veredas das nuvens avermelhadas de pôr-do-sol, se tiveram que esgueirar por entre os raios de fogo mergulhados em águas azuis do mar salgado que um dia se fez português. Daqueles que - como tu, - por obras valerosas, se vão da lei da morte libertando!
Dezassete anos de palavras ao vento. Daquelas que cantaste em tempo de escuridão, por entre os vampiros da noite calada; por entre os “mandadores” de um povo adormecido à sombra do faz de conta que nunca foi, parecendo nunca ter sido. De um povo adormecido sobre as glórias do passado...
Dezassete anos de um adeus precoce. Para a terra do nunca mais, deixando na memória de um povo e na multiplicação das gerações, um legado de rimas e de palavras, entoadas entre os salgueiros dos riachos que nos enchem a vida de trinados sinuosos, erguidos ao céu por cantares de rouxinóis e de toutinegras reais.
Dezassete anos de partida. Mas tu não partiste, ficaste. Não importa lembrar os Dezassete anos de ausência; importa reter os Setenta e Cinco de existência. Aqueles que partiram, nem sempre são os que não ficaram."
António Branco in Diário Digital
1 comentário:
Um adeus, quer ele de que forma seja e para quem seja, é sempre uma palavra difícil de se dizer, além de muito “feia” … mas assim, desta maneira, é certamente um adeus mais bonito, mais Xein, mais “até sempre” porque ninguém morre nesse mesmo mundo, o mundo cheio de Xein. Tão cheio que transborda… de palavras e não só, porque quem é querido nesse mundo, jamais sai dele, sem ouvir até sempre… independentemente do adeus!
“Poeta” de algumas marés, depende dos voos e das companhias.
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