5.19.2004

Estranhos Afectos

Acabaram-se os afectos que os faziam andar para a frente, comandar jangadas de pedra e Jumbos dos maiores que há. O coração dobrou a esquina e nem lhe disse adeus. Ela ficou ali parada, durante mais de uma Primavera, há espera que ele voltasse para lhe acenar. Agora passou muito tempo, vai voltar para trás e correr todas as avenidas que não fez. Deixa a bagagem parada no passeio onde ficou a mendigar durante todas estas estações e atira-se ao caminho. Ainda espera ver a sua (dele) mão a agitar-se, para lhe dizer adeus, ou para a chamar para perto, mas já não pensa nisso.... Nem um dia mais a fará ficar parada na esquina. As esperas amedrontam, as pulgas dos cães irritam, as senhoras finas são falsas e os carros estão sempre parados à sua frente. Não quer saber se esta esquina é a mais bonita onde já passou. Não quer saber se naquela rua o nome dele está escrito por toda a parte. Não lhe interessa se os muros foram todos pintados por ela, incluindo o seu nome. Ela não quer saber! Vai mudar-se dali. Agora quer uma casa grande, com gente grande e bonita, verdadeira... Com música para os ouvidos e sempre com imagens para reter na memória. Um dia, quando for velha e passar aqui, recordará que não tem nada para contar aos seus netos. Há "coisas" que são só nossas, e nem os nossos erros servem de exemplo para ninguém. Muito menos para quem chega de novo.

- Quando aqui passar, provavelmente, vou chorar aquelas lágrimas de sempre. As mais salgadas que o mar morto, as que arranham o coração, as que fazem pensar, pensar, pensar. Este alcatrão ainda será o mesmo? E tu que dobraste a rua e não voltaste? Serás então uma personagem da vida, mas sempre brilhante, no teu trono indestrutível. Serás tu com os teus sonhos de pé, com a tua vida encarnada de esforço e glória. Eu... Eu estarei sempre aqui para te aplaudir, da plateia dos plebeus, do lugar dos vividos. Do lugar especial de quem te quis... Como eu e mais ninguém. Diz ela, como quem segreda às paredes na esquina.

Talvez assim caísse nele e se apercebesse que "cada pessoa escolhe o caminho que pode e não o que quer, que o trabalho, como o amor e todas as coisas importantes na vida não são um golpe de magia, mas o resultado sempre inacabado de um esforço permanente."



Sintam-se... Afectuosos... Porque afinal, há sempre alguém que nos prova que todos os afectos valem a pena!

1 comentário:

Anónimo disse...

Ah ganda poetiza… cada dia este blog está melhor.
É isso e num certo sentimento que ando a sentir…
Mas isso já é comigo e semigo. Ou não!