1.13.2008

é segredo



Sou uma mulher de muitas palavras. Falo muito e falo alto. Falo depressa, mas correctamente. Tenho palavras que cortam como facas guardadas nas algibeiras do casaco, mas tenho palavras doces como cerejas negras guardadas no bolso da camisa. No bolso do lado esquerdo; aquele inútil onde homens guardam as suas inutilidades: canetas que mal escrevem, notas enroladas em elásticos castanhos. Palavras que saem da boca, fabricadas na pele. Falo muito e desde muito cedo. Há dias em que falo a cantar, mas nunca mais o Danúbio Azul, que trauteava aos seis meses de idade. Não me lembro. Estava lá mas não me lembro. Falo com quem quero e quando me apetece. Às vezes não me apetece, mas tenho de falar. Noutras esquinas, quero falar, mas não posso. Gosto muito de falar em cafés, com gargalhadas de fundo ou jogo da batota, onde se degladiam por mais uma sena de copas. Gosto de falar em frente a águas agitadas, correntes.

Durante esta minha vida já falei demais. Ficava ao fundo da sala de aula, sozinha, e ainda assim falava. Comigo. Até comigo falo demais. Já disse muita coisa que não deveria ter saído da minha boca. Confesso. Fui parca a falar de amor. As palavras enrolaram-se-me na língua. Não tinha nada que as impedisse de sair. Nem a vontade. E dei comigo sem palavras. Eu, uma mulher de muitas palavras. Desdobrei-me em sentimentos, abri as janelas da alma, estilhacei-as de força, dei-lhes um Universo. Não vale a pena sermos pequenos e olhar para dentro. Dou-te um amor imenso e as palavras, que são muitas, saem. Uma a uma. Aos pares. Em verso. A cantar. Eu, que adoro cantar e que falo muito. Falo de amor como se fossem mantras. Baixinho, para mais ninguém ouvir.

3 comentários:

mOrFeX disse...

És, Arara! :P

Beijo na testa! :P

Patrícia Mota disse...

E se falares tão bem como escreves, ainda bem que falas.

As vezes sabe bem falar baixinho, para ouvidos escolhidos, não ao acaso, mas por destino.

Quando gastares as palavras todas que os outros inventaram, vais inventar uma nova linguagem, só tua. Vais-te ouvir melhor.

Ume beijo*

susana disse...

Não te imaginava capaz de escreveres coisas assim...que lindo!! Acreditas que somos parecidas? Também falo muito e falo alto, mas quando tenho de falar de amor, emudeço!Não gosto de falar dos meus sentimentos mais íntimos!
Este texto está muito bom! Parabéns!